A Prisão do Líder Religioso
A Polícia Civil do Rio de Janeiro efetuou a prisão de Jorge Luiz Oliveira dos Santos, um pastor que liderava uma igreja evangélica na comunidade da Cidade de Deus, na Zona Oeste. A detenção, de caráter temporário, ocorre sob a grave suspeita de que ele tenha abusado sexualmente de pelo menos cinco meninas. Os crimes, segundo os relatos, teriam ocorrido quando as vítimas tinham idades entre 7 e 12 anos. A investigação, conduzida pela 32ª DP (Taquara), resultou no envio do inquérito à 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal de Violência Doméstica, que agora dará prosseguimento ao caso.
Jorge Luiz Oliveira dos Santos responde pelos crimes de estupro de vulnerável consumado, tentativa de estupro de vulnerável e perseguição. As acusações, baseadas nos depoimentos detalhados das vítimas, lançam uma sombra sobre a figura de liderança religiosa que ele exercia. Atualmente, o suspeito está preso no presídio José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio, aguardando os desdobramentos da Justiça.
Um Padrão de Abuso e Manipulação
Os depoimentos das cinco vítimas à polícia revelaram um padrão de comportamento assustador. Segundo os relatos, o pastor frequentava a casa das meninas, e os abusos aconteciam durante a noite. Ele entrava no quarto onde elas dormiam, tirava a roupa e esfregava o corpo no das crianças. Uma das vítimas, já na adolescência, conta que ele chegou a pedir fotos íntimas pelo celular. Outra relatou ter sido estuprada pouco antes de completar 13 anos.
Uma das mulheres, que hoje já é adulta, descreveu um episódio em que o pastor invadiu sua casa e tentou agredi-la sexualmente. Ela conseguiu se desvencilhar e, após conversar com seu namorado, decidiu finalmente procurar a delegacia para relatar o que havia acontecido, dando início à investigação que levou à prisão do suspeito. O rompimento do silêncio por parte dessas mulheres, hoje entre 19 e 21 anos, foi crucial para a polícia identificar e montar o quebra-cabeça dos abusos que perduraram por anos.
A Luta Contra o Trauma e o Silêncio
Para muitas das vítimas, o trauma dos abusos foi carregado em silêncio por anos. Uma das mulheres, hoje com 19 anos, desabafou em depoimento: “Eu carrego isso comigo desde os 7 anos e nunca falei para ninguém. Depois que entendi que eu não estava sozinha, que eu não precisava carregar isso sozinha, tudo mudou”. A fala ressalta a importância da denúncia e do compartilhamento da dor. Outra vítima relatou que, apesar de pequena, sabia que o ato era errado, porque sua mãe sempre a ensinou sobre o respeito ao seu corpo e a não permitir toques de homens.
As mulheres revelaram ainda que o pastor usava sua posição de liderança para manipular e impor um silêncio velado. Uma delas contou que Jorge Luiz a ofendia, insinuando que ela tinha “um espírito da sedução” no corpo e criticando suas roupas. Essas táticas de controle e culpa tornavam as meninas presas fáceis, como explicou a supervisora jurídica do projeto Empoderadas, Marcela Machado. “É uma pessoa que você confia, que você pede ajuda. Então, ele se aproveitava dessa posição para falar com as meninas”, disse. A psicóloga Rafaella Santana reforçou a ideia, mencionando que a figura de um líder religioso é vista como “paternal”, o que as tornava ainda mais vulneráveis.
O Papel do Projeto Empoderadas e a Importância da Denúncia
Todas as vítimas que se apresentaram foram acolhidas pelo projeto Empoderadas, uma iniciativa do Governo do Estado voltada ao combate à violência contra a mulher. O projeto oferece suporte psicológico, orientação jurídica e social, mostrando que há um caminho para que as vítimas não carreguem sozinhas o peso dos crimes que sofreram.
Uma das mulheres relatou que, após os abusos, desenvolveu um quadro de ansiedade crônica, que só começou a melhorar com o acesso à terapia e grupos de apoio. A psicóloga Rafaella Santana explica que o trauma do abuso pode levar a crises de ansiedade, pensamentos intrusivos, autolesão, alterações de humor, apetite e sono. A coragem dessas mulheres em denunciar, mesmo após anos de silêncio, é um ato de empoderamento. Como destacou Marcela Machado, “é importante até essa denúncia das meninas como uma forma de incentivarem outras vítimas dele a denunciarem”.
A Coragem de Romper o Silêncio
As vítimas, hoje mulheres, deixam um conselho poderoso para outras meninas que possam estar passando por situações semelhantes. Elas enfatizam a necessidade de não ter medo e de não se sentir culpada. “O recado que eu dou é para não sentir medo, porque eu senti medo e aflição de contar, mas eu diria para outras meninas seguirem em frente e falar. Não importa quando foi, não importa se a mãe não acreditar, é ir diretamente para a delegacia”, aconselhou uma delas.
Outro conselho é para que a vítima entenda que a culpa jamais é dela. “A sua roupa não estava errada, o lugar não estava errado. A pessoa é quem estava errada e você não está errada em ir denunciar. Não importa se é seu pai, seu irmão, seu tio ou até mesmo uma mulher, se é sua mãe, não importa, eles que estão errados”, completa o relato.
A idealizadora do projeto Empoderadas, Erica Paes, reforça a importância da educação e da conscientização. Segundo ela, ensinar as crianças a reconhecerem os sinais de violência é uma forma de prevenção, dando-lhes “recursos emocionais e comportamentais para que elas consigam identificar algo que não tá certo e pedir ajuda”. Essa abordagem, segundo ela, é fundamental para “quebrar o ciclo da violência e garantir que a infância seja vivida com segurança e liberdade”.
Conclusão
A prisão do pastor na Cidade de Deus é um lembrete doloroso e necessário de que a violência sexual pode se esconder por trás de figuras de autoridade e confiança. O caso reforça a importância crucial da coragem das vítimas em denunciar, mesmo após anos de silêncio, e o papel fundamental de instituições como o projeto Empoderadas em oferecer o apoio necessário para que essas mulheres superem o trauma. A justiça, ao acolher esses relatos e agir com rigor, envia uma mensagem clara de que a impunidade não prevalecerá. É um passo importante para que a sociedade discuta abertamente o tema, capacite crianças e jovens a se protegerem e ofereça um sistema de apoio robusto para que a voz das vítimas seja sempre ouvida e respeitada.
Com informações do site: G1
