O Encontro na Alerj: Faltas e Suspeitas de Intimidação
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Câmeras, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), expandiu seu escopo para investigar um possível e perigoso elo entre empresas de proteção veicular e de recuperação de carros com as facções criminosas que atuam na capital fluminense. Na manhã desta segunda-feira, a CPI convocou representantes de seguradoras, recuperadoras e associações de proteção veicular, além de membros das polícias Civil e Militar, para depor sobre o assunto. O que se viu, no entanto, foi um cenário de descaso e suspeitas.
O presidente da Comissão, o deputado Alexandre Knoploch (PL), abriu os trabalhos com um alerta contundente: muitas das empresas convocadas não compareceram à reunião. O deputado relatou a dificuldade em entregar as intimações, com endereços que simplesmente não existiam ou que levavam a bairros e comunidades controlados por milicianos ou traficantes. Além disso, e-mails enviados às companhias ficaram sem resposta. “Uma total falta de respeito com a Comissão”, declarou Knoploch, que, junto a outros membros, reforçou o aviso de que, caso os representantes não compareçam à próxima sessão, a CPI poderá solicitar uma condução coercitiva.
O Esquema Subterrâneo: Milhares de Associações e o Silêncio da Polícia
A reunião na Alerj trouxe à tona dados surpreendentes que sustentam a principal linha de investigação da CPI. Representantes da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, informaram que existem nada menos que 449 associações recuperadoras de veículos cadastradas para operar no estado do Rio de Janeiro. A magnitude do número chocou os parlamentares e levantou um questionamento central.
Diante da informação, o deputado Alan Lopes (PL), membro da Comissão, considerou a possibilidade de o tráfico ou a milícia estarem por trás dessas operações de recuperação de veículos. A lógica por trás da suspeita é alarmante: enquanto as forças de segurança precisam de grandes operações para entrar em áreas de risco, algumas dessas empresas parecem ter um acesso facilitado. “Se não é a polícia que recupera esses veículos, se não é o cidadão, pode ser um esquema gigantesco que estamos começando a descobrir agora”, declarou Lopes, sugerindo a existência de um acordo financeiro para a devolução dos carros roubados.
A tese foi reforçada durante o depoimento do delegado Mauro César, diretor da Divisão de Roubos e Furtos de Automóveis (DVRFA) da Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ), e do Coronel Marcelo Brasil, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Questionados sobre a possível existência de contato entre as empresas e a polícia para facilitar a recuperação de veículos, ambos negaram qualquer conhecimento de um canal oficial ou regular. O delegado Mauro César frisou o ponto nevrálgico da investigação: essas empresas recuperam veículos em áreas de alto risco sem precisar de uma complexa operação policial.
Os Depoimentos e a Tensão na Comissão
Apenas um punhado de empresas enviou representantes. A Álamo Benefícios mandou um representante jurídico, que, sem ser o responsável legal, acabou dispensado. A Autoache Tecnologia e Informação LTDA. enviou um representante que, de forma evasiva, justificou que a empresa não é uma recuperadora de veículos. A resposta gerou um momento de alta tensão quando o deputado Rodrigo Amorim (União) chegou a ameaçar dar voz de prisão ao representante, acusado de mentir à CPI.
A Pontual Clube de Benefícios enviou sua presidente, Carla Caldas, para a reunião, e a 21GO – Associação de Proteção Patrimonial Mútua teve seu presidente, Marcos Alves de Sousa, presente. Marcos revelou dados operacionais da empresa, afirmando que cerca de 10 a 13 veículos de seus clientes são roubados por mês, com apenas três ou quatro sendo recuperados. Ele também defendeu a teoria de que muitos dos carros roubados na capital fluminense estão sendo clonados por criminosos.
Quebra de Sigilo e o Próximo Capítulo da Investigação
Diante dos depoimentos e da ausência massiva, a Comissão Parlamentar de Inquérito anunciou uma medida drástica: a quebra do sigilo bancário de todas as empresas e associações convocadas. A decisão visa investigar a fundo os fluxos financeiros e encontrar provas concretas de um esquema que pode estar funcionando às margens da lei. A CPI divulgou a lista completa de todas as entidades que estão sob investigação, incluindo grandes nomes do mercado.
Empresas Convocadas pela CPI
EMPRESAS DE PROTEÇÃO VEICULAR
- APVS
- ATTENTO
- PRATHA BRASIL
- TRACKER
- RIOBEN ASSOC. DE BENEFÍCIOS
- FACILITY – PROTEÇÃO VEICULAR E BENEFÍCIOS
- CLUBE UNIR
- ASSOCIAÇÃO QUALITY RIO
- ATUAL CLUBE DE BENEFÍCIOS
- CARSYSTEM
- ATUAL PLUS – PROTEÇÃO VEICULAR E BENEFICIOS
- PONTUAL CLUBE DE BENEFICIOS
- ÁLAMO BENEFÍCIOS
- UNIKAR PV CLUBE DE BENEFÍCIOS MÚTUOS
- 21GO – ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL MÚTUA
RECUPERADORAS DE VEÍCULOS
- TRACKER BRASIL
- AUTOACHE TECNOLOGIA E INFORMAÇÃO LTDA.
- ATIVA MONITORAMENTO INTELIGENCIA LTDA.
SEGURADORAS
- HDI SEGUROS
- AZUL COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS
- TOKIO MARINE SEGURADORA S.A.
Conclusão: O Desafio de Desvendar um Esquema Milionário
As investigações da CPI da Alerj estão no início, mas já revelam um panorama alarmante. A suspeita de que empresas aparentemente legítimas possam ter acordos tácitos com facções criminosas para recuperar veículos roubados representa um novo e preocupante braço do crime organizado no Rio de Janeiro. A quebra do sigilo bancário será a etapa decisiva para que a Comissão determine a dimensão do suposto esquema. O desfecho desta investigação pode não apenas impactar o mercado de proteção veicular, mas também redefinir as estratégias de combate ao crime no estado, expondo como o roubo de carros se tornou um negócio lucrativo e interligado a um sistema criminoso complexo e poderoso.
Com informações do site: Diário do Rio
